
A história da Maria das Graças , paciente de nossa clínica, é marcada por traumas intensos, resiliência surpreendente e, mais recentemente, por um processo de reabilitação pautado na escuta, cuidado e ciência.
Hoje, aos 67 anos, ela carrega no corpo cicatrizes de uma vida repleta de desafios — e nas palavras, a gratidão diária por estar viva e por poder caminhar com as próprias pernas.
Quando tinha apenas 24 anos, Maria das Graças sofreu um atropelamento grave enquanto estava deitada em uma rede no quintal de casa. Um carro desgovernado atravessou o muro, levando a rede, o corpo dela e o cotidiano da família em uma fração de segundos. O impacto foi devastador: fraturas de costelas, laceração profunda no joelho esquerdo e um risco real de amputação.
Antes disso, ainda na infância, ela já havia sofrido outra lesão traumática: uma queda com perfuração do joelho direito provocada por um prego. Esses eventos marcaram não apenas sua estrutura física, mas também sua percepção sobre movimento, segurança e dor.
Hoje, Maria das Graças é um exemplo de força e recomeço. Sua caminhada rumo à funcionalidade foi construída com atenção aos detalhes, escuta ativa e um plano terapêutico altamente individualizado.
A avaliação fisioterapêutica: atenção sensível e análise precisa
Maria das Graças nos queixando-se de dor crônica nos dois joelhos, com piora no esquerdo — o mais afetado pelos traumas do passado. Relatava episódios de surto (linfedema), dor ao subir escadas, insegurança ao caminhar por longas distâncias e dificuldade em atividades do dia a dia, como agachar ou levantar-se de cadeiras mais baixas.
Durante a avaliação fisioterapêutica, observamos:
- Marcha cautelosa, com descarga de peso reduzida sobre o membro inferior esquerdo;
- Edema oculto no MMII esquerdo, especialmente ao final do dia;
- Palpação dolorosa na região anterior do joelho esquerdo, com sensibilidade aumentada;
- Presença de um cisto subcutâneo palpável anterior à patela esquerda, possível remanescente do acidente;
- Força muscular preservada globalmente, mas com déficit funcional em glúteo médio e quadríceps esquerdo;
- Amplitude de movimento preservada, porém com sensação subjetiva de dificuldade e obtenção de movimentos de maior exigência;
- Testes ortopédicos negativos para instabilidade ligamentar, mas com dor provocada em testes de especificidade patelar e carga femoropatelar.
Além disso, identificamos comportamento de proteção e medo de movimento (cinesiofobia), um fator importante a ser considerado na abordagem terapêutica.

Achados de imagem: um corpo que conta histórias
Radiografia dos Joelhos (AP com carga e perfil):
- Cistos subcondrais discretos na patela direita;
- Estruturas ósseas preservadas;
- Espaços articulados mantidos.
Ressonância Magnética do Joel Esquerdo:
- Condropatia avançada na faceta medial da patela, com edema ósseo subcondral;
- Degeneração mucoide do menisco medial (sem rotura transfixante);
- Corpo estranho no subcutâneo pré-tibial (provavelmente remanescente do acidente);
- Demais estruturas ligamentares e articulares preservadas;
- Sem esmagamento articular.
Objetivos fisioterapêuticos
- Alívio da dor anterior do joelho;
- Redução do edema (controle do linfedema intermitente);
- Melhora da função muscular estabilizadora (especialmente quadril e joelho);
- Aumento da segurança e autonomia funcional;
- Reeducação motora e redução do medo de se movimentar.
Conduta terapêutica individualizada
A abordagem foi desenvolvida em três frentes principais:
- Controle da dor e do edema:
- Mobilização miofascial direcionada para região anterior do joelho;
- Mobilização articular de quadril, joelho, patela e tornozelo;
- Orientação para automanejo do edema com exercícios ativos e cuidados posturais.

- Fortalecimento e recondicionamento funcional:
- Treino de glúteo médio, quadríceps e core com exercícios de cadeia cinética fechada e instabilidade controlada;
- Progressão de atividades funcionais como subir degraus, agachar e caminhar em diferentes superfícies.

- Educação e reabilitação emocional:
- Sessões de educação em dor e explicação sobre neurociência da dor crônica;
- Incentivo à escuta corporal e ressignificação do movimento;
- Estímulo ao protagonismo do paciente no processo terapêutico.

Tempo estimado de tratamento
Estimamos uma duração mínima de 12 semanas, com frequência semanal e reavaliações mensais. Maria das Graças já demonstrou ganhos importantes na percepção corporal, redução do medo de movimento e melhoria progressiva da dor. Será necessária uma reavaliação para definir se ela seguirá as sessões de fisioterapia ou se será encaminhada para outra modalidade de tratamento, como Pilates ou musculação.
Cuidado com história, técnica e propósito
O caso de Maria das Graças é um lembrete poderoso de que a Fisioterapia vai muito além da técnica. Ela envolve escuta ativa, empatia, atenção às narrativas corporais e uma abordagem individualizada baseada em evidências.
Aos 67 anos, ela segue se movimentando com mais segurança, funcionalidade e alegria — provando que nunca é tarde para retomar o controle do próprio corpo e da própria história.
Larissa Corrêa dos Santos
Fisioterapeuta – CREFITO 261391-